O mercado imobiliário goiano apresentou crescimento bastante positivo entre o final de 2021 e primeiro semestre de 2022. A cidade tem atraído diversos investimentos imobiliários nos últimos anos, com o aumento de lançamentos e valorização do metro quadrado. Para entender a conjuntura atual é necessário buscar suas origens e conhecer quem tornou isso possível. Uma dessas pessoas é o empresário e presidente do Sindicato das Imobiliárias e Condomínios do Estado de Goiás (Secovi), Antônio Carlos da Costa. Um entusiasta dos bairros planejados, Antônio Carlos viu ainda na infância como era a vida empresarial. De família empreendedora, acompanhou desde cedo o tio Machado, pecuarista, e o irmão mais velho, Paulo Roberto da Costa, fazerem negócios. Na década de 1970, seus pais venderam uma rede de lanchonetes, a Fonte do Paladar, e partiram para um novo mercado: o imobiliário. Participou dessa transição, e esteve presente na Tropical Imóveis desde a sua fundação. De formação em Medicina Veterinária, Antônio Carlos se especializou no agronegócio e mercado imobiliário quando, emancipado aos 16 anos, começou a trabalhar no negócio recém-criado. Integrou grandes movimentos da cidade, e protagonizou a construção de bairros planejados como Eldorado, Recanto do Bosque e o Parque América, em Aparecida de Goiânia. Para ele, os problemas comuns de um setor devem ser resolvidos por meio de uma associação. Por isso, se aproximou, ainda nos anos 1990, de entidades como o Secovi. Inspirado por ex-presidentes da associação, acredita que “quem compra terra nunca erra”, e que, ao contrário do que dizem, ter imóvel não é especulação. Para ele, a integração entre as gerações é fundamental para o sucesso de qualquer associação. Para mantê-la viva, é preciso de um grupo de conselheiros fortes e fôlego operacional regado a novas ideias. Confira entrevista cedida por ele à equipe da Leitura Estratégica.
Como conheceu o Secovi?
No início dos anos 90 fui convidado para participar do Secovi, e desde então atuei em diversas diretorias nas gestões do Marcelo Baiocchi, Mauricio Rezende e Ioav Blanche. Além das dores da nossa própria empresa, me aproximando do terceiro setor, conheci as demandas de vários outras do segmento, e vi que havia muitas em comum. Desde aquele tempo eu acredito que os principais problemas do setor só podem ser resolvidos através de uma associação. Entre os anos 1983 e 1991, eu morei em Santana do Araguaia, no sul do Pará, onde atuei no ramo agropecuário, como médico veterinário e agropecuarista, sempre mantendo a sociedade com a Tropical Urbanismo, mesmo desenvolvendo atividade do agro. No período em que morei lá, nós conseguíamos resolver problemas por meio da união de produtores, situações que eram de responsabilidade do setor público, mas que não eram solucionadas. Notei então que todos nós devemos nos unir e resolver os problemas que são de todos. Assim vejo as associações, uma abertura de portas por meio do diálogo com o setor público. Percebendo isso e vendo no Baiocchi, a nossa grande liderança e presidente da Fecomércio, me aproximei e me disponibilizei para integrar a diretoria da entidade. Desde então nunca mais me afastei.
De onde veio o pensamento de agir em prol da coletividade?
Entre os anos 79 e 80 houve uma enchente no Araguaia, na época meu pai morava no Sul do Pará, e ele acolheu toda a cidade de Barreira do Campo dentro da nossa fazenda. Acontece que depois nós vimos ali uma oportunidade. A minha irmã elaborou um projeto e fizemos um loteamento, que na verdade se tornou uma cidade após as pessoas se mudarem para lá. Passada a inundação, nasceu uma nova Barreira do Campo. Eu era jovem, mas vivi isso muito de perto, ajudei a vender, a estruturar o negócio junto ao meu pai e irmão e vi o lado empreendedor daquilo que surgiu ato de ajudar. O que no início foi simplesmente uma acolhida da população, foi transformada em um local seguro para que as pessoas morassem depois. Esse fato me ensinou algumas lições, primeiro a de abrigar pessoas independente de qualquer ganho, e em seguida o lado empreendedor percebeu que até dos locais mais improváveis podem surgir oportunidades. Aprendi também que nunca devemos fazer algo colocando o dinheiro em primeiro lugar.
Como foi o processo de assumir a presidência de um sindicato?
Foi algo fora da nossa rota. Na verdade, eu e o Paulinho tínhamos o compromisso de não sermos presidentes de nenhuma associação, mesmo participando de várias delas: Ademi, Secovi, Acieg, Sinduscon, entre outras. Sempre fomos grandes incentivadores, mas como nosso foco era a empresa, acabamos descartando essa possibilidade por um tempo. Contudo, o Ioav Blanche me chamou para uma reunião e disse precisarem de um sucessor. No encontro, conversávamos sobre como o Marcelo Baiocchi assumiu, aos 30 anos, o Secovi e deu muito certo. Lembro que eu sugeri de buscarmos alguém com essa idade para renovar. O Ioav foi enfático: O Secovi daquela época tinha outros desafios, e precisaríamos de uma pessoa com bagagem maior. Inclusive pensamos em vários nomes. Como estamos em processo sucessório na empresa, achei uma boa oportunidade de passar o bastão de vez. Eu sou muito centralizador, tenho esse defeito, não consigo ver algo e não fazer, e por isso acabava resolvendo muita coisa na Tropical. Fiz a seguinte proposta: Se não achássemos nenhum nome, que efetivamente conseguisse exercer a função, eu assumiria. Fiquei muito próximo da entidade nos últimos anos para aprender mais sobre o sindicato. Na empresa, chegamos à conclusão de que estava na hora de repassar para a segunda geração parte do que era feito por mim, o que me forçou a compartilhar as responsabilidades, acelerando a sucessão. Assim, os meus filhos e sobrinhos foram mais envolvidos em nossos processos do negócio. Isso foi bom para mim porque é uma nova experiência, uma nova proposta junto ao associativismo, e eu digo bastante que a minha gestão é de apenas quatro anos, até por princípio, acredito que deve ter mudança. Eu vejo esse como um momento de renovação, mesmo eu não sendo muito novo. Nesta diretoria conseguimos mesclar pessoas jovens com as mais experientes. Então eu brinco bastante que temos um conselho de cabeça branca e uma diretoria de cabeça preta.
Voltando um pouco para a área empresarial, o que lhe atraiu para trabalhar no segmento de loteamentos?
Assim que a minha família iniciou no mercado imobiliário, o setor de loteamento me chamou muito a atenção. Era início da década de 90 quando eu participei de um congresso no Castro’s Hotel promovido pelo Sinduscon, com o então ex-ministro da Fazenda, Dilson Funaro, algo que me marcou muito. Na ocasião, ele falava que com a estabilização do país, que caminhava para o fim do processo inflacionário, um volume muito grande de pessoas entraria para um consumo específico, que ainda não existia na época, o da habitação de característica social e os loteamentos. Até hoje me lembro disso e foi uma verdade. Ao perceber essa demanda no mercado, saímos na frente em relação aos loteamentos. Nesta época, assumi, inclusive, a diretoria de loteamentos do Secovi.
Você participou ativamente da construção de vários setores na capital e região metropolitana. Qual a sua visão sobre os bairros planejados?
Desde muito cedo eu aprendi a pensar na cidade como um todo, não apenas no que estávamos construindo. Comecei a sonhar com a avenida Goiás-Norte, não por ser uma ideia minha, mas por uma necessidade da cidade. Acho que o meu faro empreendedor me ajudou a unir as demandas locais às oportunidades de negócio. Por exemplo, ao integrarmos a região Noroeste à cidade, mudando o trajeto da Avenida Goiás Norte, que acabava na Universidade, foi possível desafogar a Avenida Perimetral Norte, e o Terminal Padre Pelágio. Paralelamente a este movimento, construímos um empreendimento de grande sucesso, o Residencial Recanto do Bosque, em que vendemos mil lotes em um dia.
Quais os principais desafios do mercado imobiliário hoje?
O código tributário é um bom exemplo. No Eldorado nós sempre pagamos impostos maiores porque existia um código distorcido que dizia que uma área acima de 2500 m² deveria pagar imposto progressivo, como se estivéssemos sendo especuladores. Nossa proposta no Secovi é que dentro do código tributário qualquer isenção seja feita para pessoas que realmente precisam através de um critério de seleção que seja justo, e não político. O que acontece dentro dessas isenções com subisenções é que é feita politicagem em cima disso, estabelecendo um critério de seleção político, e não técnico. A verdade é que quando essa isenção é dada em demasiada para um lado o outro é onerado. Não fica justo. O ideal seria uma alíquota única. Dessa forma a justiça social já está feita. A proporcionalidade ao valor do imóvel vai fazer a justiça fiscal por si só. Quem constrói um bairro planejado é muito penalizado no imposto, isso afeta a própria cidade. É um grande desincentivo quando se faz o progressivo pelo valor da área e não pelo seu objetivo. A nossa proposta no Secovi é que dentro do código tributário a isenção seja feita para as pessoas que realmente precisam, e não pelo valor da área.
Na sua opinião, o que mais impacta o custo de produção de uma unidade habitacional?
Eu vejo da seguinte forma: Quando se demora entre dez e doze anos para um processo de loteamento tramitar na prefeitura porque ainda não tem água, esgoto ou energia, algo não está certo. Além dessa morosidade, é exigido que esse processo transcorra também em órgãos como Enel e Saneago, onde além da lentidão do andamento, há uma cobrança absurdamente fora do normal, inviabilizando vários projetos de característica social. Por exemplo, a Saneago não me cobra somente o que há dentro do empreendimento e que a lei exige. Ela exige muito mais do que isso, ela cobra soluções que nada tem a ver com o meu negócio. Não é possível transferir esse custo para o consumidor final. E de quem é a culpa? Da prefeitura, pois ela é o poder concedente. A lógica deveria ser a seguinte, por ser um projeto social que interessa a toda a cidade, a prefeitura deveria aprovar e notificar a Saneago para que ela disponibilizasse saneamento nesta área externamente, dando a solução técnica para que o empreendedor apenas interligue seu empreendimento à adutora.Hoje acontece o contrário, e a prefeitura é complacente com essa situação. É esta a razão para as habitações de característica social tenha um déficit de 70 mil unidades só na região metropolitana de Goiânia. Com a Enel estamos tendo o mesmo problema.Por isso, a prefeitura deve ser firme na cobrança através das agências de regulação e todos os setores da sociedade devem ser duros nessa cobrança. A expectativa é que com a venda da Enel para a Equatorial, a nova empresa faça os investimentos necessários para que Goiás se desenvolva para atender essa parte de habitação social, que é o que nos interessa.
Tivemos algum avanço?
Sim. Na década de 70 passou-se a exigir que o empreendedor fizesse a estrutura completa de um loteamento, como se ele fosse o responsável pela falta de capacidade de pagamento das pessoas no país. Isso aconteceu na época do Iris (Rezende), que tinha uma visão distorcida de economia. Quando os empreendedores viram que dessa forma eles não venderiam suas unidades porque a população não tinha capacidade de pagamento da infraestrutura completa, o que aconteceu? Todos os empreendedores sérios de Goiânia foram para Aparecida de Goiânia, que teve um boom de crescimento, porque lá não exigia isso, e Goiânia não teve nenhum loteamento nesse processo, mas teve 150 ocupações irregulares. Veja quais são as consequências de uma lei burra. O bom é inimigo do ótimo. Ele quis exigir o ótimo e teve o péssimo. Até hoje pagamos por isso. Isso mudou com a Lei Anselmo (Lei Nº 7222, de 20 de setembro de 1993), no início dos anos 1990, que flexibilizou e permitiu fazer loteamento sem pavimentação, sem pedágio, de forma que a gente poderia colocar três infraestruturas, água, energia elétrica e ruas cascalhadas. Assim era possível fazer um lote que a população conseguia comprar. Quando começava a adensar, a Prefeitura fazia o investimento e todos ganhavam com essa implantação. Essa foi uma lógica que fez a cidade crescer muito e não ter ocupações irregulares. Pudemos criar, assim, um urbanismo correto e legal. O loteador ligado ao Secovi conseguia vender um lote parcelado em até 60, 90 e até 180 parcelas. Por que esse prazo se estendeu? Porque as exigências aumentavam e era preciso repassá-las ao consumidor. Somente assim as parcelas caberiam no seu bolso. Goiânia não tem favelas graças à Lei Anselmo e aos loteadores que acreditaram. Que a história do passado seja de reflexão para que não erremos no futuro.
Como você enxerga a relação do setor público com os bairros planejados?
Eu acredito que o poder público precisa criar mecanismos de incentivo para grandes projetos que contemplem o working, living, playing em um só lugar para evitar o movimento pendular na cidade. Conseguimos isso com bairros planejados. Quando eu entrei nesse segmento, vi que seria necessário trabalhar junto ao poder público. Para isso queríamos criar uma ferramenta para o plano diretor que seria a redenção de Goiânia no sentido de geração de riqueza. O Secovi defende, desde então, a criação do Plano de Urbanização Básico (PUB), que prevê um ambiente de mobilidade e densidade a longo prazo por meio do planejamento para essas regiões.
Hoje, você é líder do Secovi e tem muito apoio da diretoria, mas acaba tomando uma série de decisões sozinho. Sobre liderança, qual a diferença entre as decisões de uma liderança coletiva daquela exercida na sua empresa?
Em grande parte das decisões eu ouço os especialistas da área e apoio o seu parecer. Não opino naquilo que seja da especialidade do direito, por exemplo. A verdade é que não tem como uma decisão ser compartilhada. O que eu vejo como o grande segredo tanto na empresa, no meu caso somos quatro irmãos e estamos em processo de sucessão para sete pessoas, quanto no sindicato, é saber ouvir. Cada decisão que eu tomo não é dada pela minha vontade, eu prezo pelo que será melhor para a maioria. O que faz uma pessoa perder a credibilidade é, no final, após ter ouvido, ou não, todas as partes, tomar uma decisão que priorize o individual em detrimento do coletivo. Isso mata tanto uma empresa quanto uma associação. O cuidado que eu devo ter como líder e gestor é sempre decidir pensando no todo. Dentro da necessidade que a cidade tem para crescer sustentavelmente aparecerão várias oportunidades, devemos embarcar naquela que fará bem para a população. Se não tiver sustentabilidade econômica nem começa, mas se não tiver sustentabilidade ambiental e social não se sustenta no tempo, e se desmorona. O ‘eu’ não pode ser maior do que o ‘nós’.