Por Gustavo Paiva
“Hoje eu percebo que a gente está tentando seguir com esse projeto de vida que meu pai construiu, com muita dificuldade”, conta Flávio Resende, filho mais novo do empresário Orédio Alves de Rezende, proprietário da primeira autopeças de Brasília, a Induspina Autopeças.
Orédio morreu em abril de 2020, aos 85 anos, vítima do coronavírus. Natural de Pires do Rio, ele começou na Induspina como funcionário, em Anápolis. Quando se mudou para onde hoje é Brasília, em 1957, ajudou a levar a empresa, antes mesmo do lançamento da cidade. Logo Orédio se tornou um sócio do negócio e depois de um tempo acabou comprando a autopeças.
Apesar de Orédio estar já há algum tempo afastado da empresa, Flávio narra as dificuldades de lidar com o luto de seu pai e, ao mesmo tempo, com os obstáculos trazidos por essa doença.
“Para mim, esses dois últimos anos têm sido os mais desafiadores da minha vida. Por mais que ele (meu pai) não estivesse tão envolvido no processo do dia a dia, ele tinha a vivência, a experiência”.
Para a psicóloga Marilene de Araújo Martins Queiroz, diretora do Instituto Habiens, de Neurociência e Comportamento, a nossa cultura empresarial é indiferente ao luto, falta acolhimento do tempo necessário para processar a dor da perda.
“Se a pessoa foge da dor, por não ter segurança para expressar sua angústia e sofrimento, isso refletirá no desempenho e consequentemente nos resultados da empresa. Sem cuidar da sua dor a pessoa vai adoecer e não vai estar inteira no ambiente de trabalho”, explica.
Por outro lado, o nosso sistema econômico não dá esse espaço para o empresário cuidar do seu luto. Se o empresário para, a empresa também para e os riscos de isso influenciar as finanças são extremamente grandes. “Nós temos passado por momentos, empresarialmente falando, muito desafiadores. Mas eu acho que o maior desafio é o pessoal. Dar conta do que a vida exig e de mim, do que o negócio exige de mim, com tantas perdas. Sejam elas emocionais, sejam elas econômicas”, diz Flávio, que destaca que sua mãe já cuidava da parte administrativa da Induspina, enquanto seu irmão ficava por conta da parte comercial. Após a morte do pai, ele passou a ajudar na gestão dos imóveis deixados para a família.
A pressão da pandemia
Flávio Resende é jornalista, proprietário da agência Proativa Comunicação, focada em comunicação corporativa, publicidade e assessoria de imprensa. Uma de suas maiores dificuldades foi lidar com a pressão do mercado, que deixou de reagir durante a pandemia.
“Pelo menos no meu segmento, tem sido um mercado difícil de trabalhar, em contraposição a essas questões pessoais, que tiram a gente do eixo”, comenta. “Elas comprometem nosso equilíbrio pra conduzir os negócios. “São os amigos e familiares que perdemos, são as empresas tradicionais da cidade, do País, que vimos fechar as portas nesse período mais crítico.”
Flávio explica que ao mesmo tempo que o mercado não reage, se a empresa não se desenvolve, ela acaba sucumbindo. “Desde o ano passado eu tenho pensado em formas de reestruturar minha empresa. É difícil, porque você precisa fazer isso faturando menos, num contexto adverso, em que o mercado ainda está muito parado.”
Lidando com o Luto
“O luto é um processo natural da condição humana e está relacionado à perda de alguém ou de algo significante à nossa vida. Viver o luto é um processo necessário e todos precisam experienciar isso”, entende Marilene. “Quando acontece esse rompimento, nós precisamos nos ajustar à nova realidade trazida pela perda, para nos reajustar psicologicamente e reorganizar a nossa vida.”
A psicóloga conta, ainda, que existe um estigma muito grande relacionado ao luto quando tratamos de um empresário ou uma empresa, de modo que não se dá muita atenção aos problemas emocionais dos indivíduos.
“Existe uma pressão para que essa dor não seja experienciada, por ser entendida como um sinal de fraqueza. Isso é muito sério, porque a dor não tratada pode levar à depressão, outros problemas emocionais, que vão impactar na criatividade, na produtividade e levar prejuízos à empresa”, diz a diretora do Instituto Habiens.
Para Marilene, o caminho ideal é implementar a saúde emocional no planejamento estratégico das empresas, oferecer política e benefícios de assistência psicológica. “Criar a cultura do acolhimento dentro da empresa, de modo em que a saúde emocional seja abordada, trazer as questões de saúde, colocar isso na pauta das estratégias da empresa. E é lógico, contratar especialistas”.