Leandro Resende
A reforma tributária são favas contadas. Aprovada no Congresso, a próxima etapa são as leis complementares. Entre dezenas de projetos e décadas de adiamento, desta vez, a mudança estrutural no sistema tributário brasileiro chegou. Entre estragos e acertos, só o tempo dirá, mas Goiás já está na fila dos perdedores. A matéria especial desta edição da Leitura Estratégica se propõe a analisar a reforma, mas busca algo que vai além deste factual: é um exercício de futuro sobre o desenvolvimento econômico do Estado. O ponto de partida é que já passou da hora de ter um projeto futuro de transformação econômica para a vida pós-incentivos. A pergunta é: temos?
Neste exercício de futuro sobre a reinvenção de Goiás, dividimos a matéria em três blocos: futuro, presente e passado. No primeiro, vamos logo a tentativa de responder à pergunta acima, sobre o que será o Goiás do futuro, avaliando questões da reforma, mas com o olhar nas próximas décadas, usando da avaliação de especialistas. No segundo bloco, o momento presente, que, em se falando de reforma tributária e Goiás, apontam alguns caminhos.
E, por fim, e não menos importante, o passado: Uma viagem das rinhas e confrontos entre Goiás e São Paulo do bandeirante pioneiro Bartolomeu Bueno a Geraldo Alckmin (a escolha do atual ministro, vice-presidente e ex-governador paulista foi simbólica, mas tem seu valor pois sempre foi um general na guerra contra os incentivos fiscais). Aliás, leia o bloco histórico, recomendo.
Goiás está sob ameaça?
Em um olhar macro sobre o tabuleiro, percebe-se que Goiás nunca esteve tão encurralado quanto agora, com a reforma tributária. Até então, com uma estratégia de expansão baseada nos incentivos fiscais, não precisou mexer muito nas peças. Os programas funcionaram e incomodaram os Estados desenvolvidos desde os anos 1970, com aceleração a partir da década seguinte, com o Fomentar, seguido nas décadas seguintes, do Produzir e do ProGoiás. A expansão até exigia melhorias nos processos, alguma coisinha aqui ou ali, mas o crescimento econômico seguia no automático. Ligava o motor e deixava – Goiás foi o 2º colocando entre os Estados, dados do IBGE/Adial, em expansão industrial por mais de duas décadas, ficando atrás apenas do Pará, por conta do gigantismo da Vale.
O advogado tributarista Flávio Rodovalho aponta que a reforma tributária vai gradativamente virar a página dos incentivos fiscais em Goiás. “Há uma redução gradativa, de 2029 a 2032, que terá um Fundo de Compensação de Incentivos e Benefícios Fiscais, mas a partir de 2032, somente ficam os regimes diferenciados aprovados na reforma tributária, que serão concedidos a todos os entes, sem distinção regional. Apesar disso, a reforma deixou uma brecha por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, para que o Estado utilize para fomentar atividades produtivas.”
Dênerson Rosa, também advogado tributarista, faz uma reflexão pertinente: “Goiás foi pioneiro no uso eficiente dos programas incentivos fiscais, ainda nos anos 1980, como atração de empresas, de investimentos e geração de empregos, como indutor de desenvolvimento e acabou preso no próprio sucesso. Funcionou tão bem que o Estado não buscou outras alternativas, outros meios, e acabou dependendo, principalmente, ou quase que exclusivamente, dos incentivos.”
Para o presidente-executivo da Associação Pró-Desenvolvimento Industrial de Goiás (ADIAL), Edwal Portilho Tchequinho, todo modelo de desenvolvimento precisa ser revisado constantemente. “Entre os anos 1980 e 2020, ou seja, meio século de história, o protagonismo foi e ainda será até o fim desta década, indiscutivelmente, dos incentivos fiscais. Mas teremos, em algum momento, uma virada. Precisamos compreender e proteger nosso ativo: Goiás tem o 7º parque fabril do País, além de ser um dos três maiores produtores agropecuários”, preocupa-se.
O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Murilo Pires, levanta outro ponto: dependência e deterioração das negociações internacionais. “Quando se examina os termos de troca entre a Região Centro-Oeste e o bloco China, Hong-Kong e Macau, se constata que as exportações de produtos básicos vis-à-vis as importações dos manufaturados chineses, apresentaram uma forte deterioração entre 1999 e 2021. Isto significa que, cada vez mais, o Centro-Oeste tem de exportar mais commodities para comprar uma quantidade menor de produtos manufaturados chineses”, aponta, reforçando que as opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade do pesquisador, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do IPEA ou do Governo Federal.
Para Murilo Pires, essa equação é um sério problema para o futuro desenvolvimento da Região Centro-Oeste e, em especial, de Goiás, pois seu modelo de desenvolvimento está muito enraizado na produção de commodities agrícolas e minerais. “Se os governos dos Estados centro-oestinos não formularem uma nova política industrial ativa e estruturante há uma possiblidade de perderam espaço, no longo prazo, nos mercados internacionais, em especial, no momento que a China está estimulando projetos de infraestrutura e modernização de estruturas produtivas, no eixo de expansão do seu projeto Cinturão e Rota, na Europa, Ásia e África.”
Dênerson Rosa aponta que o auge dos programas de incentivos em Goiás, entre fim da década dos anos 1990 e primeira década dos anos 2000, promoveu também distorções. “Quando você vê empresas se deslocando para ficar longe de todo mundo (insumos, mão de obra, fornecedores, mercado consumidor), tem um fator extra que está modificando o que seria o comportamento natural. Muitas empresas saíram dos locais que seriam locação natural para se instalarem em outros por conta de vantagem fiscal. Hoje, a gente começa a não ver mais este tipo de movimento. Então, estamos no momento ‘dois’. Não é o incentivo fiscal para atrair a empresa, e sim como usar algum tipo de mecanismo fiscal para manter as empresas que já se instalaram. E, para frente, a ferramenta de atração precisa ser outra.”
“E qual seria essa outra vantagem de atração para Goiás?”, fica a pergunta.
Energia? Logística: ferrovias e rodovias? Mão de obra qualificada? Inovação? Para Dênerson Rosa, estas e outras bases de atração são bem frágeis em Goiás. E estes itens são os básicos, que se tiver qualquer pretensão de se colocar nas próximas disputas por atrair empresas, não se pode ter nada que não seja muito bom.
“Precisamos de um plano macro de melhoria de infraestrutura produtiva, algo muito profissional e eficiente. Nossos gargalos hoje requerem elevados investimentos, fora da realidade do Estado. Neste ponto, o legado não é suficiente para ser um diferencial. Muito pelo contrário.”
Em quase cinco décadas dos programas de incentivos fiscais, os governos goianos não se ocuparam em construir fortes vantagens competitivas para substituir ou contribuir aos programas de incentivos. Sem eles, com a reforma tributária aprovada, Goiás pode ‘flopar’, como diz a nova geração. “O que, por falta de visão de futuro, não se fez em 50 anos, precisamos fazer em cinco”, reforça o economista Diego Dias, destacando que os governos de Goiás acomodaram e não se deram ao trabalho de construir um modelo paralelo baseado, por exemplo, em um desenvolvimento pela educação e pesquisa. “Exemplos, como nos países asiáticos, não faltaram.”
“O AgreGo é um caminho”, diz Tchequinho, destacando que plano estratégico de longo prazo do Estado, para 10 anos, lançado em 2021, pelo governo de Goiás, com a cooperação da ADIAL, Fórum das Entidades Empresariais e é desenvolvido em parceria com a Magno Consultoria. “É projeto profissional de agregação de valor para o setor industrial de Goiás. A iniciativa identifica os gargalos e propõe soluções de curto, médio e longo prazos para aumentar a atração de novos negócios para o Estado.”
Rubens Fileti, presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Goiás (Acieg), destaca que “o futuro, aos bons, pertence.” E complementa: “Nesta próxima década, vamos entrar em uma guerra por competitividade e alto desempenho que não se tem precedentes na história das empresas e também dos Estados, que, para manter seu ativo econômico, empregos e empresas, terão de ser melhores. União do público e privado será determinante. Os programas de incentivos como vantagem competitiva terão seus limites até se esgotarem. Nos resta pensar e trabalhar, que cartas temos a mais para oferecer nas futuras mesas de negociações?”
“Vamos passar por uma transição perigosa, onde muitos Estados vão encolher, perder protagonismo, e outros, vão evoluir, mostrar diferenciais competitivos e maturidade. Precisamos estar neste segundo grupo. Precisamos pensar o futuro 24 horas por dia”, diz Fileti.
Murilo Pires destaca que, em vários indicadores econômicos, como a maior produtividade do trabalho agrícola regional, o Estado que mais se destacou foi Mato Grosso, seguido do Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. O pesquisador diz que ocorre o mesmo na participação do valor da produção das lavouras temporárias e permanentes. “O Mato Grosso é aquele que mais se destacou no cenário centro-oestino”, disse ele.
“A estrutura agrícola do Centro-Oeste vem se especializando em algumas commodities agrícolas. Dentre elas se destacam a soja, com quase 60% do valor da produção agrícola em 2021, mas seguido pelo milho com 23,6%, Algodão com 8,2% e cana com 5,4%. Estas quatro culturas, juntas, responderam por quase 96% do valor da produção agrícola da região Centro-Oeste em 2021”, aponta Murilo.
Sobre a reforma e toda política em sua volta
O que importa hoje é a reforma tributária. Mesmo aprovada, nesta fatídica sexta-feira, 15 de dezembro de 2023, para muitos será remédio, para outros tantos, veneno. O que se sabe é que todos vão engolir a seco uma reforma aprovada no escuro, sem previsibilidade ou base real, feita sobe medida para atender aos Estados desenvolvidos e limitar os governos estaduais.
A seguir, um breve apanhado do que é a reforma tributária e seus efeitos. Um detalhe, preliminar, é que aprovação da reforma fez parte de um jogo político que, ao contrário do passado, funcionou. Antes, as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste votavam juntas. Com mais votos, por quase uma dezena de vezes, as reformas tributárias – normalmente construídas com viés, sem máscaras, por governos do Sudeste e Sul a seu benefício – naufragaram.
Hoje, o Nordeste vota com o governo Lula. Desmontou a defesa dos Estados emergentes – que já estava corroída desde o governo Bolsonaro, quando até com Goiás, sob o comando de sua ex-secretária da Economia, Cristiane Schmidt, a economista importada do eixo RJ-SP por Ronaldo Caiado e indicada pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou forte no movimento pró-reforma.
E este modelo só não promoveu uma reforma porque o próprio ministro Paulo Guedes optou por abandonar o modelo IVA e ir na pegada do modelo “CPMF”. Desagradou e perdeu fôlego no Congresso. Neste meio tempo, troca-se o governo e desengavetam a, ainda quente, reforma com base no IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Goiás reassume sua posição no front em defesa dos emergentes e da autonomia dos Estados – que a reforma limita e fortalece a União. A hashtag “#Estadosvãoviverdemesada” não ganha as ruas, mas a tese de que, agora aprovada, os governadores podem comprar um pacote de pires porque vão ter a mesma relevância no pacto federativo que tem hoje os prefeitos.
A seguir, um pouco mais da reforma, ou esqueleto dela, porque traçam a diretrizes e aprovam no escuro. Depois vão de fato criar regras mais claras, nas leis complementares.
No texto, a reforma aponta que o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. Como já citado, o Brasil adotará um novo sistema baseado no conceito do IVA.
Assim, saem de cena os impostos federais IPI, PIS e Cofins, entra a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Somem também o imposto estadual (ICMS) e o imposto municipal (ISS), que, unificados, criam o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A tributação será feita apenas no local de destino, feito sob medida para acabar com os programas de benefícios fiscais. “As distorções do antigo sistema tributário brasileiro foram parcialmente corrigidas com incentivos fiscais. As empresas sempre buscarão o melhor espaço que facilite os investimentos e a produção. Goiás está no centro do Brasil, distante de zonas portuárias, com pouca mão de obra qualificada e disponível”, aponta a advogada Marília Tófollis, da Rodovalho Advogados.
Haverá ainda o Imposto Seletivo (IS), conhecido também como “imposto do pecado”. O IS vai substituir o IPI e será usado como desincentivo a produtos e serviços prejudiciais à saúde, como bebidas e cigarros, e à “sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono”. O IS incidirá obrigatoriamente sobre armas e munições (exceto para a administração pública) e não incidirá sobre as exportações nem sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações.
A aposta do Senado é que não se trata de mera troca de nomes: o IBS e a CBS podem resolver alguns dos principais problemas do Sistema Tributário Nacional, entre eles a tributação em cascata, em que um mesmo imposto é pago várias vezes durante o processo de produção ou de comercialização do mesmo bem.
Sobre os futuros impactos, o tributarista Dênerson Rosa aponta que serão diferentes para cada agente da economia. “Para Estados e municípios, alguns perdem, outros ganham. Quanto ao consumidor, que em alguns casos vai tendo mais imposto na cadeia, aquilo fica mais caro, o produto, ou o universo. Quanto às empresas, são afetadas de forma diferente – vai depender das leis complementares. Mas elas têm a possibilidade de se movimentar e isso pode inclusive acentuar o impacto do índice público, porque para empresas que até hoje era vantajoso estar em Goiás, se deixar de ser vantajoso é natural que a médio prazo ela se movimente para outro local. Quem eu entendo que é o mais delicado nessa situação são exatamente os entes públicos, porque eles deixam de ter controle, passam a ser passageiros.”
Dênerson é bem claro: “O capital busca as melhores oportunidades, é uma coisa natural. Quanto mais difícil a movimentação, isso é inércia, uma empresa que tem uma estrutura muito pequena, ela se movimenta muito fácil, ela tem pouca inércia. Já uma grande indústria, como a automobilística, por exemplo, tem um impacto muito grande, tudo aquilo preso fisicamente, a inércia dela é muito maior. Para ela se deslocar dá muito mais trabalho, é muito mais difícil, demora muito mais tempo, mas continua sendo possível, tudo depende do atrativo.”
E Goiás? “O impacto para o Estado é potencialmente ruim, todos estudos indicam perda, mas não estão considerando o momento ‘dois’, que se o Estado deixar ser atrativo para empresas que estão aqui, é natural que essas empresas saiam. E aí passa a ter um impacto muito maior. Então tem um primeiro impacto e tem um segundo impacto. E o segundo impacto reduzindo a capacidade de investimento do Estado pode acelerar o processo de tornar o ambiente menos atrativo. É uma desindustrialização quase irreversível.”
O texto do Senado traz mais sobre a reforma: “Os novos impostos não serão cumulativos. Isso significa, por exemplo, que o imposto pago por um vendedor de algodão será abatido do imposto pago pelo fabricante de camisetas que comprou o algodão. Atualmente, cada etapa paga o imposto cheio. Assim, em cada etapa, o cálculo do imposto acaba incluindo o que as etapas anteriores já pagaram de imposto.”
Mais detalhes: proposta tem uma trava para não ter aumento da carga tributária. Essa “trava de referência” prevê que os novos tributos possam ser diminuídos em 2030 e 2035 caso haja aumento da carga tributária. Por exemplo, em 2030, a CBS será reduzida se a receita com CBS e IS como proporção do PIB, medida em 2027 e 2028, for maior que a média da arrecadação do PIS/Pasep, Cofins e IPI de 2012 a 2021, na proporção do PIB. Em 2035, a CBS e o IBS serão reduzidos se a receita com CBS, IBS e IS, proporcional ao PIB, medida entre 2029 e 2033, for maior que a média da arrecadação com PIS/Pasep, Cofins, IPI, ISS e ICMS de 2012 a 2021, na proporção do PIB.
A reforma inclui na Constituição novos dispositivos tributários para reforçar a preservação ambiental. Haverá um IBS Ecológico, com critérios ambientais, e imposto sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
“A reforma tributária está extinguindo cinco tributos que têm legislação um tanto quanto complexa, mas criando cinco outros que já começam com complexidade similar. Então, o pretexto de simplificação não existe. Eu estou trocando um caos por outro. Um sistema caótico confuso e bagunçado por outro sistema caótico confuso e bagunçado, mas com uma década de transição. Então, nós vamos conviver por uma década com o sistema caótico atual ficando cada dia menor e com o novo sistema caótico ficando cada dia maior. Então, por uma década eu tenho o dobro de caos. Eu não consigo ver onde há simplificação nisso”, aponta Dênerson.
E completa: “E nós estamos trocando tributos antigos, onde a maior parte dos problemas, discussão, interpretação, conceito, já foram debatidos, já foram resolvidos, a justiça já explicou, definiu como deve ser, por novos tributos que ninguém sabe como pode ser. Então nós começamos com um cenário de incerteza. Porque sabemos que no Brasil a legislação é muito mal feita, as leis não são muito bem pensadas e o judiciário no final acaba dando palavra final e mudando muita coisa em relação à aplicação inicial.”
Para Flávio Rodovalho, a reforma tributária não veio para simplificar. “Essa era a bandeira levantada, mas foram detalhados regimes que não precisavam ser colocados na Constituição, que tem de desenhar o arquétipo, a base, do sistema tributário nacional, e o que se vê é que se desceu à minúcias desnecessárias de modo que até a nutrição parenteral e o suco de frutas foram adicionados na PEC.”
“O problema é que o discurso dos reformistas não está condizente com o direcionamento que tem tomado o texto da reforma. Goiás atraiu investimentos pelo cenário fiscal favorável, mudando esse cenário, poderá ocorrer um êxodo de empresas importantes aqui instaladas”, completa o tributarista.
Para o presidente da Acieg, estamos entrando em um túnel escuro para um caminho incerto. “Tem muita vontade em acabar com tal da ‘guerra fiscal’, mas pouca inteligência em propor um sistema decente para todos agentes econômicos. Os agentes políticos deveriam atuar para reduzir a insegurança jurídica, para fortalecer a atração de investimentos. Fazem o contrário. Esse modelo, não dá credibilidade ao sistema tributário. É muita vaidade em assinar uma reforma tributária, mas só vão encher o armário de esqueletos tributários. É tanta barbeiragem e barganha que o estoque (de esqueletos) vai encher de novo.”
“No final, serão quatro ou cinco fundos de compensação, ao custo anual próximo de R$ 100 bilhões. Esse é o preço reforma. Uma reforma que tem esse tamanho de compensação anual ou é uma reforma remendada ou mal feita. Esperamos tantas décadas para aprovar um Frankenstein”, disse Tchequinho, presidente-executivo da ADIAL.
A PEC aprovada determina que lei complementar poderá dispor sobre regimes específicos de tributação para dezenas de áreas e segmentos. “Agora aprovada a reforma no Congresso, o foco será minimizar o impacto nestas leis complementares”, disse o executivo da ADIAL. Os novos impostos serão completamente instituídos apenas em 2033. As regras para distribuição do IBS aos estados e municípios durarão 50 anos. O IBS será implementado gradualmente e os tributos substituídos serão reduzidos até serem extintos.
Quanto à CBS, praticamente não haverá período de transição. A contribuição será cobrada com uma alíquota de 0,9% em 2026, apenas para que se possa observar seus efeitos sobre a arrecadação, e com alíquota plena a partir de 2027. Para suavizar a transição aos entes federativos, o texto prevê a retenção de parte da arrecadação do IBS para distribuir entre os entes que tiverem a maior perda de recursos.
O economista Murilo Pires aponta que os governadores da Região Centro-Oeste terão até 2032 para construírem políticas públicas que tenham por objetivo promover uma nova forma de inserção da região nos fluxos dos investimentos produtivos regionais, nacionais e internacional. Para tanto, é importante ter claro algumas questões.
“No caso do setor industrial, há uma forte predominância dos setores industriais relacionados com a fabricação de produtos alimentícios, os quais aglutinaram mais da metade da produção industrial da região. Em seguida, com proporções menores, vieram os setores de fabricação de produtos químicos, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis, bebidas, produtos minerais não metálicos e automóveis. Por outro lado, grande parte da produção da região Centro-Oeste, além de prover o mercado interno, é deslocada para o mercado internacional, em especial, para abastecer o bloco econômico da China, Hong-Kong e Macau. Em 2021, quase 40% as exportações do Centro-Oeste foram deslocadas para este bloco econômico”, destaca Murilo.
“Os investimentos chineses têm por objetivo reduzir a dependência chinesa dos seus principais fornecedores de matérias-primas, como é o caso do Brasil, e ampliar seu espaço de influência na Europa, Ásia e África. Portanto, os governadores do Centro-Oeste necessitam, urgentemente, debaterem um novo projeto de desenvolvimento para a região, caso contrário, serão deslocados dos eixos centrais dos investimentos nacional e internacional”, teme Murilo.
GOIÁS E SÃO PAULO, DO OURO ROUBADO AO TRIBUTO VETADO, UMA HISTÓRIA DESIGUAL
Uma odisseia de mais de três séculos que não para de render capítulos que vão da exploração do ouro à reforma tributária.
Arraial do Ferreiro. Era ali, que por volta dos anos 1720, que se fundaria o primeiro rancho dos bandeirantes paulistas para exploração do ouro goiano. Aliás, a tribo dos índios Goyá sobreviventes aos confrontos, que não fugiram ou morreram sob as balas de ferro das arcabuzes (espingardas), e, que, dominados e sob ameaça, os conduziram a este local. Os goyazes e os paulistas não imaginavam que este primeiro encontro seria só o primeiro round de três séculos de muitas farpas, tapas e duelos – que tem sempre o ativo econômico no centro do conflito.
Antes de desenvolver essa odisseia, claro, é bom destacar que a relação nem sempre foi azeda entre estes dois povos (Estados). Pelo contrário, são muito mais semelhantes que divergentes, no social, econômico e cultural – mesmo porque a colonização se deu por séculos foi de migrantes de São Paulo que migravam para Minas Gerais e para Goiás. Mas o foco é visitar os momentos históricos dessa relação e dos ciclos de desenvolvimento econômico de Goiás, confira a seguir, em ordem cronológica.
Século XVI – região de Goiás recebe várias expedições, vindas de São Paulo, as conhecidas Bandeiras, para capturar índios para uso em mão de obra escrava na agricultura e minas. Também tiveram expedições da Capitania do Pará – conhecidas com ‘Descidas’ – focadas na catequese dos índios. Ambas atravessavam Goiás, mas não criavam vilas e arraias permanentes. Com a exploração do ouro, ocorreu a ocupação oficial.
1718 – Acham ouro próximo a Cuiabá, no Mato Grosso. Abrem os olhos para Goiás, seguido uma crença da época: o ouro era mais abundante quanto mais próximo ao Equador e no sentido leste-oeste. O território dos goyazes entra na mira.
1722 – Território goiano inicia sua produção aurífera e é governado pela Capitania de São Paulo. No começo, muita extração do minério e criação de vários arraias – sempre nas regiões que se descobre ouro – que era fundido em São Paulo.
1728 – Estabeleceu-se a Superintendência das Minas de Goiás, cuja sede foi em Meia Ponte, hoje Pirenópolis, sob a responsabilidade de Bartolomeu Bueno da Silva, subordinada à Capitania de São Paulo.
1744 – Capitania de Goyaz é desmembrada de São Paulo. A relação umbilical dos dois Estados, no registro de nascimento. O Rei de Portugal estava incomodado com os contrabandistas de ouro, revoltas dos mineradores e aos ataques de índios.
1748 – Dom João, Rei de Portugal, bate o martelo e cria os governos de Goyaz, Minas Gerais e Cuiabá.
1749 – De fato, em 9 de novembro deste ano, foi oficialmente instituída a nova capitania. Chega a Vila Boa de Goyaz, o primeiro governador: Dom Marcos de Noronha.
Quem era esse cara?
O Marcos era meio que um “executivo” da Coroa Portuguesa. Também era conhecido como Conde dos Arcos. Antes, governou a capitania de Pernambuco (1745). Depois, foi promovido, de 1754 a 1760, a vice-rei e capitão-general do Estado do Brasil, tendo participação ativa na expulsão dos jesuítas (1759).
1770 – O ciclo do ouro começa a minguar. O minério goiano era extraído da superfície de rios, com peneira do cascalho – conhecido como aluvião. Os povoados que foram formados perto dos rios vermelho, Anta, Barra, Ferreiro, Ouro Fino e Santa Rita começam a perder parte da população. Quem fica, vai viver de plantação e pecuária para subsistência – é a ruralização.
1822 – Após 14 governadores e com a chegada da Independência do Brasil, cai o nome de capitania, passando a ser agora província. E não é mais governador, mas presidente da província.
1889 – Proclamação da República. Goiás já vivia um século de pobreza e isolamento após o esgotamento do ouro (modelo de desenvolvimento). O setor público sentiu com a queda brusca da arrecadação. No século que o País viveu sua independência e criação da República, Goiás parou no tempo.
1900 – Economia começa a se reanimar. Chega o telégrafo e com ele as notícias (menos sensação de isolamento), além da estrada de ferro dá uma esperança para agricultores de arroz na busca de novos mercados e a pecuária extensiva, que Goiás já vinha conquistando alguns mercados (BA, RJ, MG e PA). Região Sudeste do Estado começa a se urbanizar.
1920 – Efeitos da ferrovia: neste ano, a produção de arroz em casca em Goiás foi de 37,4 mil toneladas, a quarta produção nacional.*
1930 – Na política, algumas oligarquias disputa o poder político: os Bulhões, os Fleury e os Jardim Caiado.
1937 – Mudança da capital para Goiânia e uma política nacional de expansão da fronteira agrícola beneficiam a economia goiana – o que é um movimento liderado por Estados do Sudeste, em especial, São Paulo, que concentra seus esforços na industrialização e desloca a produção de produtos primários para outros Estados – a tal ‘Marcha para o Oeste’. Queriam Goiás como a “Ceasa” dos Estados industrializados. Tranquilo, era a chance de tirar Goiás da pindaíba.
1950 – A agropecuária vai se consolidando no Estado no pós-guerra. Desde a época do ouro, Goiás perdeu o motor do desenvolvimento. Quase dois séculos depois, começam a surgir novos caminhos. Estrada de ferro chega a Goiânia. Na outra ponta dos trilhos, São Paulo, sempre presente na construção de Goiás.
1958 – Governo estadual atende empresários e adota primeiro programa de benefícios para incentivar a industrialização – adotado em razão da forte demanda por bens industriais provocada pela construção de Brasília. Goiás editou a Lei 2000/1958, que concedia isenção do Imposto de Vendas e Consignações (IVC), por dez anos, para a instalação de indústrias pioneiras, com prazo de vencimento em 1968. Foram instaladas de 50 a 60 indústrias – entre elas, a de maior porte foi o Moinho Goiás, cujo principal investidor era italiano.
1960 – Uma segunda cidade planejada vai surgir em terras goianas no século. Depois de Goiânia, nos anos 1930, e Brasília, em 1960. Ocorre uma forte urbanização, mas sem industrialização. Comércio se fortalece – atacado e varejo. Com Goiânia e Brasília, o Centro-Oeste se integra ao mapa econômico nacional.
1961 – Criada a CDL Goiânia. Antes veio a Acieg (1937), SGPA (1941), Fecomércio (1948), Faeg (1951), Fieg (1952) e Facieg (1963). No fim dos anos 1990, parte destas entidades fundariam o Fórum da Entidades Empresariais.
1967 – Criada a Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (SUDECO) e dela algumas ações importantes, como a Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Centro-Oeste (PLADESCO), o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO) e, o mais bem sucedido, Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO).
1970 – Modernização da agricultura e pecuária goiana. As empresas, mais focadas em comércio e serviços, avançam. Indústrias de pequeno porte com foco local são implantadas – principalmente no setor alimentício. Goiás acelera a urbanização.
1971 – Aproveitando uma brecha da reforma tributária de 1965, Goiás ensaia seu primeiro projeto de incentivos fiscais, no governo de Leonino de Ramos Caiado. A Lei 7.380/1971 cria um incentivo fiscal para novos investimentos na indústria com base no financiamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), além de uma política própria para distritos industriais no Estado. Surge o Fundo de Expansão da Indústria e Comércio (FEICOM), que se investiu na atração das indústrias oferecendo isenção de impostos. Era o ensaio e inspiração do Fomentar.
1973 – Nova lei, a 7.700/1973, traz incentivos maiores do que a anterior, de 1971. Isentava do ICM por cinco anos as indústrias que se instalassem em Goiás
1976 – É inaugurado o primeiro distrito agroindustrial planejado do Centro-Oeste brasileiro, o DAIA.
1984 – O movimento pró-industrialização chega com Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR), no governo Iris Rezende. Baseado em incentivos fiscais para atrair indústrias, vai dar um impulso na economia do Estado – e chatear os Estados centrais, como São Paulo, que começa a perder indústrias para Goiás.
1984 – Desde a implantação do programa Fomentar foram aprovados 1.565 projetos, sendo que destes, 364 foram efetivamente implementados.
1988 – Goiás passa a atrair também investimentos de multinacionais que optam pelo novo modelo de desenvolvimento regional goiano – diversificando setores, que iam além da força do agro, como automóveis, medicamentos, minérios e tantos outros, tendo chegado a quase consolidar uma fábrica de aviões holandesa (que, por problemas externos, abortou o projeto).
1988 – Nova Constituição aprova a divisão de Goiás e a criação do Estado do Tocantins.
1990 – Forte fluxo migratório para Goiás, tanto do Sudeste quanto do Norte-Nordeste. Um estudo do IMB/PNAD, apontavam que 2017, 28,7% da população de Goiás eram de pessoas naturais de outro Estado (quase 2 milhões de pessoas).
1995 – Vários Estados periféricos ou emergentes adotam o modelo de desenvolvimento goiano, via incentivos com impostos estaduais. Goiás e estes Estados vivem em pé de guerra com Estados desenvolvidos – no Legislativo, Executivo e Judiciário. Em uma luta que duraria mais de três décadas. São Paulo lidera de um lado, Goiás lidera do outro.
1998 – Goiás lança o PRODUZIR, no governo Marconi Perillo, para voltar a competir por grandes projetos. Junto com o programa, outros sub-programas, com para exportação e centro de distribuição.
1999 – Brasil adota a política de medicamentos genéricos. Desde então, Goiás deslancha e se torna maior produtor do País. Em volume de medicamentos, o Estado é o maior produtor do País. Em faturamento, perde para São Paulo.
2000 – Criado o Produzir, no governo Marconi Perillo. o Produzir e o Microproduzir atuam sob a forma de financiamento de parcela mensal de ICMS, até 73% ou 90%
2011 – Os anos de 2011 e 2012 foram marcados pela intensa batalha do governo federal de aprovar a reforma tributária fatiada, votando apenas o que se referia ao ICMS e, claro, os incentivos fiscais
2012 – Censo dos Incentivos aponta que foram 1.669 projetos até 2012 (no Produzir e no Fomentar), com a geração de 200 mil empregos diretos e R$ 41 bilhões em investimentos.
2013 – A Reforma do ICMS avançou no Senado. ADIAL esteve amplamente envolvida na realização de mobilização em Brasília no dia 15 de maio. Neste dia, os goianos foram destaque nacional.
2014 – No Senado, em novembro de 201,4 foi aprovado projeto de lei que convalida incentivos fiscais.
2017 – O PIB de Goiás, entre 2004 e 2017, cresceu 271,6% para R$ 189,9 bilhões, acima do crescimento do PIB do Brasil no mesmo período, de 235,1%.
2017 – O PIB da indústria goiana cresceu 251% entre 2004 e 2017, de R$ 12,7 bilhões para R$ 43,2 bilhões, quase o dobro que a média nacional da indústria, que no mesmo período cresceu 131,1%.
2018 – Nos últimos 14 anos (até 2018) o parque industrial goiano cresceu 50,1%, o segundo maior do País, perdendo apenas para o do Pará (73,5%), e na frente dos crescimentos no Paraná (34,7%), Espírito Santo (25,5%) e Pernambuco (15,8%) neste período.
2020 – Goiás se tornou a 9ª maior economia do País, o 10º maior PIB per capita nacional e o 7º maior parque industrial do País, sendo o 2º maior polo industrial de Medicamentos, o 2º maior parque industrial sucroalcooleiro e o 5º maior parque automotivo do País.
2020 – Lançado o novo programa de incentivos fiscais do Estado, o ProGoiás.
2021 – A arrecadação dos principais municípios-polos da indústria goiana cresceu muito acima da média do Estado, em alguns casos acima de 2.000%
2021 – AgreGo, planejamento industrial para próxima década, é lançado em Goiás
2022 – As 15,8 mil indústrias em Goiás recolhem 45,5%% de todo ICMS arrecadado no Estado.
2023 – O parque industrial goiano é atualmente o 7º maior do País, com 15,8 mil indústrias ativas, muito superior aos parques da Bahia (13,8 mil indústrias) e do Distrito Federal (3,5 mil), cujos os PIB´s são maiores que o de Goiás.
2023 – Reforma tributária passa no Congresso, com baixo atrito, faltando agora a votação das Leis Complementares.